Midori (Live-action) - A bondade, a maldade e o circo

Sejam todos bem vindos respeitável público, ainda temos muitos lugares, e lhes prometo, este picadeiro irá pegar fogo.



 Engolidores de espada, domadores de cobras, múmias que atiram flechas com o pé, bestas desconhecidas, sopradores de fogo, um velho mesquinho, um ilusionista, todos rostos comuns no circo que conhecemos, porém, desta vez temos uma criança perdida no meio de pessoas tão peculiares, que mesmo com suas próprias derrotas, tornam-se o pior inimigo que uma jovem menina pode ter.



Não faz tanto que falei sobre as críticas em cima de Midori e o anúncio de sua adaptação para live-action, defendi muito a obra original e garanti que era sim uma obra digna de uma adaptação para cinema, resta agora saber: esse filme vingou? Ou sofre com a maldição dos live-actions baseados em anime? Bom, tiraremos nossas conclusões após uma breve análise desse filme que veio com o desafio de tornar atual uma obra dificilmente adaptável.

Começando pelo seu conceito, a adaptação não deixa muito do material original de fora, mas mesmo assim adiciona muito ao universo do circo Akaneko, dando os toques necessários para se diferenciar através da direção de cenas e de arte. Ou seja, algumas adições aqui, algumas modificações ali, uma leve desconstrução de personagens e aprofundamento de personagens e voilá, temos um roteiro digno de ir ao cinema. Porém, aprofundar onde precisa ser melhor explicado é bom, e é isso que farei.
Falando da arte, cenários, direção, enfim, tudo que é visual. Este filme é lindo, ele abandona a ideia de um Japão antigo e caindo aos pedaços para um mundo atual, porém caricato, nada é como conhecemos, nada é novo e ao mesmo tempo, nada é velho. As vezes ele dá uma ideia de planeta perdido, steampunk colorido, lembrando muito os animes mais adultos dos anos 90, como Shin Cutie Honey e California Crisis. Porém mantém o ar de antigo, paredes envelhecidas, letreiros de neon, becos estreitos, o vulgar começo das selvas de pedra. As roupas dos personagens parecem ter sido tiradas de livros infantis, ou do próprio Midori, muitas cores, muito contraste presente, volume, espalhafatoso, alguns estilos tão diferentes um dos outros que parecem ser de mundos diferentes, o que funcionou muito bem com a estética visual dos cenários, coisa que antes não dava pra notar nos trailers, nem todos pareciam encaixar no cenário, porém, o resultado final foi bem satisfatório. E só um adendo, o céu da noite, feito com uma tela pintada com a lua acima foi uma ideia genial que deu muito certo, ficou lindo.
A direção ficou um pouco confusa, muda a ordem de alguns acontecimentos, adiciona novas cenas, e muitas vezes de forma muito brusca, com o andar do filme essas trocas vão ficando mais suaves, porém é realmente bem confuso em alguns momentos, porém, isso é uma característica da obra original também, essas trocas de quadros rápidos e para cenas que não exatamente condizem com a anterior. Adicionando também, alguns takes ficam muito bonitos, há muitos takes centrais e, se o cenário ajudar, fica mais bonito ainda.


A trilha sonora é magnífica, toda ela tem o tema circense e burlesco, cheio de violino e acordeão para todos os lados, com destaque à música tema, Ano ko no Jinta, cantada pelo duo Charan-Po-Rantan, que já tem um estilo muito próximo, porém nesse caso eles chegaram ao que elas inspiram seu trabalho, o que deu origem a uma música maravilhosa e que cai muito bem com o ritmo do filme. Estou na espera do lançamento com a trilha sonora em CD, porque ela é realmente muito boa.

 Agora que temos tudo que é preciso para entender o universo, vamos discutir os personagens, afinal, eles são, ou supostamente eram pra ser, o que há de pior na humanidade, o circo em si é quase um "humanidade in a circus shell", porém as novidades não se restringem em cenas inéditas e detalhamento do universo, ele aprofunda personagens antes rasos, dando a eles seus motivos e devidas qualidades. A partir de agora terão alguns spoilers, mas nada que vá estragar a experiência do filme caso alguém se interesse.

Começando pela nossa bela protagonista, Midori Hanamura (aliás, é a primeira vez que o nome dela completo é revelado), na obra original ela é o símbolo máximo da inocência e da esperança, uma menina comum, impedida de ir para a escola para ajudar a sua mãe doente. Ela ganhava a vida vendendo flores (que nesse filme foram mudadas para flores de origamis muito belas), com esse dinheiro ela poderia comer e cuidar da mãe dela como de costume, porém as pessoas nem sempre compravam as flores dela, até que um simpático senhor chamado Arashi lhe oferece ajuda. Isso deixa a pobre menina das camélias alegre, alegria essa que terminaria logo na mesma noite, quando encontra sua mãe morta, sem ter mais o que fazer, ela busca pelo senhor Arashi, esse dono do circo Akaneko, nesse circo Midori sofre com escravidão, abuso mental e sexual, violência física, enfim, coisas mil que deixariam qualquer um a beira de um suicídio, o que é exatamente como a Midori do filme está. Na obra original é mostrado apenas que ela suporta tudo com esperança de que as coisas melhorem, já no filme deixa claro logo no começo que ela não sabe mais o quanto aguentará, e que frequentemente ela pensa em terminar com a vida infernal que leva. Porém, tanto sofrimento não apaga que ela também é humana e tem seus sentimentos não tão esperançosos e bondosos, Midori, além de querer voltar para sua família que já não existe mais, deseja muito ser uma estrela de sucesso, ela quer ser o centro do mundo onde ela é paparicada e servida, não sente isso de uma forma benéfica, ela quer ser superior, o que provavelmente é resultado da vida dela no circo que é justamente o contrário, podemos ver que esse sentimento dela vai se nutrindo ao decorrer do filme, ficando cada vez mais forte. Isso deixa a Midori com uma personalidade muito mais profunda, deixando ela mais perto dos nossos sentimentos do que como uma figura divina da pobreza. Dando um destaque final à atriz Risa Nakamura, que mesmo sendo uma modelo, conseguiu passar muito bem o ar infantil que a Midori tem (até porque ela tem cerca de 12/13 anos), claro que inicialmente é estranho ver uma menina adulta como uma pessoa jovem, mas a atuação dela é boa o suficiente para esquecermos esse fato e acabarmos vendo isso como um tipo de criança muito alta (?), porém, por ser o primeiro trabalho de atuação dela, algumas cenas ficam um tanto estranhas, nada que estrague a experiência.

Agora vamos falar do nosso anão gangster, o grande Wonder Masamitsu, um ilusionista que faz façanhas incríveis. Na obra original é apenas um anão muito bravo que a maior parte do tempo parece um grande canastrão. Já no filme, ele tem uma personalidade digna de um líder de máfia, calmo, manipulador e ao mesmo tempo assustador e com frequentes ataques de raiva e ódio, que quase sempre são bem violentos. Ele está na lista de personagens que eu odiava e ao mesmo tempo entendia, porém agora sinto até um pouco de afeição, mesmo que ele seja provavelmente um dos personagens mais maldosos na obra. Aqui, as magias loucas dele parecem todas truques de hipnose, habilidade essa que antigamente era vista como uma magia, e não como um fundamento psicológico, e no caso do Wonder Masamitsu, ele é muito bom na sua hipnose, sendo algo como uma hipnose vinda de conceito místico mesmo, usando ela para o bem, para o mal e principalmente para fazer todos irem de acordo com o seu desejo.
No filme eles adicionaram uma pequena carga emocional para ele, mostrando que ele ter se tornado uma pessoa tão terrível é resultado de outras pessoas terríveis, ele no fundo quer apenas alguém que fique ao lado dele e que precise dele. Masamitsu é um tipo de par romântico de Midori, e ao mesmo tempo uma grande pedra no futuro da menina, o relacionamento deles não tem muitas carícias, nem mesmo parece ser um verdadeiro relacionamento, porém, Masamitsu tem medo de perder Midori, é extremamente possessivo, e isso cria um vínculo de relação abusiva por parte dele, que envolve ordens e ações contra a vontade de Midori e até mesmo violência doméstica, cena essa que eu considero bem pesada e representativa para mostrar como a relação dos dois funciona.

KANABUN, esse é o hilário nome do menino que se traveste, não porque ele se sente dessa forma em relação ao seu gênero, e sim para atraír velhos pervertidos que lhe dariam dinheiro em troca de sua companhia. Kanabun é bonito e sabe disso, um típico shota de yaoi, porém com uma personalidade detestável, constantemente fazendo maldades por causa de um tipo de inveja, talvez ele se enxergue na Midori, antes dele mesmo se corromper para sobreviver, porém, no decorrer da trama fica óbvio que ele não faz essas coisas por ser realmente mal, e sim porque ele mesmo não se sente bem consigo fazendo o que faz, ele quer viver uma vida diferente, ele não queria ter que vender a sua vida, porém, se ele não se vendesse ele não teria mais uma vida. Na obra original parece apenas que ele é mal por ser mal, não se tem certeza se ele veste-se de mulher decorrente do seu gênero ou de uma forma de sobrevivência, na obra original ele nem tem o tanto de atenção que tem no filme em si, um personagem que foi muito bem aproveitado, o que só adicionou ao enredo.

Mummyman, originalmente um canastrão maldoso e boca suja, agora um galã sério sem braços, porém, tanto ele quanto sua contraparte tem um pequeno arco, pois ele acaba gostando da Midori, mas ainda assim, demonstrando isso da maneira errada. Um personagem que tinha participação bem grande mas que foi um pouco deixado de lado no filme, nada que desmereça ele, ele teve o tempo e desenvolvimento certo, mesmo que seja uma pena que a sua personalidade se mantesse igualmente rasa, se tornando uma escada para uma nova parte da história.

Agora por fim, os dois personagens que não fazem grande diferença, mas mesmo assim estão ali. Tanto que o nome deles nem é citado, o que é estranho, pois conhecemos os personagens e suas personalidade. O engolidor de espadas, originalmente um cara muito grande e do mal, que no filme se tornou em um cara muito grande, mas meio bobão mesmo cometendo as mesmas maldades. A mulher das cobras foi a com menos mudança, as vezes aparentando ser usada como uma forma de fan-service, ela consegue extras oferecendo seu corpo em troca de recompensas, ou simplesmente quando sente vontade de fazer sexo. Ela, no geral, não é uma pessoa tão má, ela apenas não liga tanto, ela tenta sobreviver da sua forma, e isso segue tanto no original quanto no live-action.




Então chegamos ao clímax, o fim, não irei contar como é, porém é diferente e ao mesmo tempo não, ele adiciona um pequeno prólogo, mostrando melhor o que acontece com Masamitsu e Midori após o circo, no original, a obra acaba logo após isso, aqui temos uma grande carga emocional e uma extensão, que mesmo um pouco confusa, é boa, e um grande marco para quem já conhece a obra original.

Este foi o filme de Midori Shoujo Tsubaki, o resultado máximo de uma boa adaptação, que está longe de ser igual, mas também muito fiel, transformar uma obra resultante de um movimento cultural, um drama com crítica social, em um produto comercial e mesmo assim bom, de uma qualidade realmente grande. O filme é muito caricato, com grande variedade de cores e contrastes, porém ainda assim um bom drama, uma boa história que consegue ser séria no meio de tantas cores, é uma verdadeira caricatura do mundo como conhecemos, exagerado, mas um ótimo exagero.



Salvem a menina das camélias comprando suas flores.

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